calendário dissidente
2019-2021
O Calendário Dissidente é um projeto que discute o design de comunicação das redes e a memória gráfica dos principais acontecimentos sociopolíticos do Brasil desde a posse do Presidente Bolsonaro em 1º de janeiro de 2019. A discussão é feita pelo mapeamento das estéticas das imagens no banco de dados na rede social Instagram. Neste site, apresentam-se os resultados parciais da pesquisa de Doutorado da designer gráfico Didiana Prata, no curso de Pós-Graduação em Design da FAUUSP.
O experimento gráfico problematiza questões relacionadas ao arquivamento das imagens nas redes sociais e o seu vocabulário estético. Assume que a participação online e diária de artistas, designers, coletivos e do público em geral na produção de linguagem visual e de objetos visuais constituem uma fração significativa da memória gráfica1 brasileira contemporânea – fadadas ao esquecimento devido ao fluxo de superprodução e veiculação de imagens das redes às quais pertencem.
O projeto se propõe a catalogar e arquivar parte dessa imageria a partir da metodologia de visualização de dados, analisando as narrativas a partir de alguns hashtags temáticos. Para tanto, utilizou-se de inteligência artificial e aprendizagem de máquina para a extração, classificação e arquivamento dessas imagens.
Considera-se que as hashtags estabelecidas pela autora, como filtro de busca, são representativas das dissidências e das manifestações coletivas e poéticas de todos nós frente ao momento atual da nossa história. Essas apresentam novos paradigmas para o estudo do design de comunicação da era pós internet.
Calendário streaming
O site captura, indexa e publica diariamente as três imagens mais curtidas dos #designativista, #desenhospelademocracia, #mariellepresente, #coleraalegria desde 1 de janeiro de 2019, primeiro dia da gestão do governo. As #foragarimpoforacovid e #projetemos foram adicionadas ao projeto em junho de 2020 pois essas representam a voz de outros ativismos que ganharam força durante o início da pandemia. A partir de uma varredura algorítmica, rastreia os principais temas relacionados às imagens e oferece ao usuário os filtros temáticos relacionados, sendo possível assim verificar quais os assuntos foram mais ilustrados.
Imagens em destaque
Todas as imagens publicadas estão creditadas a partir do nome do usuário que a publicou no Instagram (sendo possível acessar a página do autor). Como várias imagens são viralizadas e repetidas adotou-se o critério de creditar a primeira publicação referente àquela imagem.
Desemaranhar o tempo das redes
O diferencial do Calendário Dissidente é justamente sua função temporal. Ela passa a reger a lógica de leitura dessas narrativas imagéticas, apresentadas cronologicamente. A visualização das postagens no feed do Instagram ou Facebook seguem a lógica algorítmica, que embaralha as sequências temporais das postagens em nome do acesso à “visibilidade” dos fatos/postagens dos seguidores com os quais o usuário mais interagiu na rede ou das imagens mais curtidas pelo seu ciclo de amigos. Também não existe a possibilidade de uma busca de uma imagem por data, ou por assunto nos aplicativos.
Nesse contexto de precariedade de arquivamento das “memórias compartilhadas” e de desconhecimento do que de fato é arquivado pelas empresas que detêm os dados das nuvens das redes sociais, a criação de novas estratégias de arquivamento e categorização da produção de imagens com o auxílio de Inteligências Artificiais para fins editoriais, curatoriais e acadêmicos nos parece relevante.
A imageria do Calendário também representa dados tratados, organizados e classificados em um servidor da USP com a finalidade de uma investigação no campo da cultura visual digital. E uma independência das grandes nuvens. Estas armazenam também os dados que estão no repositório do Calendário Dissidente, porém, organizam e manipulam esses dados em uma outra lógica.
Esperamos que o Calendário possa ser uma ferramenta para designers, artistas, sociólogos, cientistas de dados e jornalistas acessarem as imagens desse período histórico.
Política de dados: o calendário interrompido
O Instagram adotou regras mais severas e restringe o uso da sua API ao acesso a um número limitado de imagens. Com o aumento de caso de fake News durante a campanha de reeleição de Donald Trump em 2020, a empresa alterou drasticamente as políticas de dados, restringindo o download de imagens por softwares autorizados para tal função. Esta medida teve um impacto muito grande na operação de extração de dados do projeto, impossibilitando o rastreamento das principais imagens do dia desde o dia 16 de novembro de 2020. Ou seja, a memória gráfica do calendário foi interrompida nessa data.
Projeto interdisciplinar
Essa pesquisa tem a orientação da professora da FAU e artista multimídia Giselle Beiguelman e está sendo desenvolvida e implementada durante a residência de Prata no Centro de Inteligência Artificial do Inova USP, sob coordenação do Prof. Dr. Fabio Cozman. Participam da programação do site e do desenvolvimento dos classificadores de imagens os alunos e cientistas de dados Gustavo Poletti e Vinicius Akira Imaizumi e Vinicius Ariel dos Santos (POLI USP) e Marcelo Villela Gusmão (programador independente). Utilizou-se de softwares livres para a captura e programação das funcionalidades do calendário, assim como no processo de treinamento de máquina e na criação dos rotuladores de imagens.
1. A expressão memória gráfica circunscreve uma linha de estudos, conforme assinalam Priscila Lena Farias e Marcos Braga, que busca compreender a importância e o valor de artefatos visuais, em particular impressos efêmeros, na criação de um sentido de identidade local. (Braga & Farias, 2018)